Li duas vezes esse livro em dois momentos diferentes da vida, e acho que em outras fases ele também cairá muito bem. Vem comigo que te conto alguns detalhes. <3
.
Se todas as mulheres que conheço já sofreram algum tipo de abuso, mas todos os homens que converso dizem que não são assim, a conta não fecha, concorda?
Antes de falar sobre o livro, quero dizer que sei que nem todo homem é agressor e/ou estuprador, só que esse não é o ponto. Escrevo isso com o intuito de que você se questione do porquê as pessoas não olham as estatísticas antes de sair em defesa da classe “homem”. Analisar os dados nos mostra que a violência sofrida pelas mulheres não é um conjunto de casos isolados, é resultado cultural. E quando homens se defendem dizendo: “nem todo homem”, me questiono se o que essa pessoa realmente quer é um prêmio por não tratar mulheres com violência, ou desviar a atenção por medo de ser um próprio exemplo de confirmação. E claro, nem todo o homem é assim, mas TODAS AS MULHERES têm medo dos que são, e essa é a questão.
Esse livro começa trazendo exemplos daquela situação que todas já passamos: somos interrompidas por homens quando estamos falando. Ou, quando eles se interessam por um assunto que temos conhecimento, nos fazem perguntas como se fôssemos uma criança de oito anos, nos infantilizando e nos fazendo sentir que sabemos pouco. E uma situação igualmente comum é quando estamos debatendo com firmeza, onde geralmente ouvimos um “calma, você está muito nervosa”. Mas quando um homem fala no mesmo tom, os comentários são: “ele é firme e sabe se posicionar”.
Com essa interrupção da nossa fala, começamos a duvidar de nós mesmas, resultando no nosso silenciamento. E isso se estende ao assédio, porque também nos tiraram a credibilidade - que é uma ferramenta básica de sobrevivência. Quando uma mulher fala que sofreu algum abuso, sempre tem um “mas”. Ou, perguntas como: “Estava bêbada?”, “Onde estava?”, “Que horário?”, “Que roupas usava?”, mas se algum homem confirmar que aconteceu, ninguém questiona. A voz deles vale mais.
Essa parte, minhas queridas, é só a cereja do bolo. O livro vais nos trazendo histórias e relatos que eu e a maioria das mulheres que conheço já passaram. Ele nos faz olhar para estes detalhes que são a base das violências mais graves. Olha só: “No mundo todo, mulheres entre 15 e 44 anos têm mais probabilidade de morrer ou de serem mutiladas pela violência masculina do que por câncer, malária, guerras e acidentes de trânsito, tudo SOMADO”. E mesmo com estes dados vivemos em um mundo onde se ensina às mulheres como evitar o estupro, mas não se ensina aos homens a tratarem mulheres como indivíduos e a não estupra-las. Louco, né?
Por isso me parece tão absurdo tratar aquele silenciamento do início do texto, brincadeiras e falas machistas do cotidiano como separadas da violência física contra a mulher, porque não são. Sabe aquela piadinha sexual no trabalho? Ou de um tio no almoço de família? Ou na rua quando estamos indo ao mercado, ou em qualquer outro lugar? São elas que formam o pensamento de que somos inferiores e resulta nessa epidemia de violência contra a mulher.
Para se defenderem, machistas dizem que mulheres também cometem atrocidades e crimes violentos, e é verdade. Mas não são a maioria, e estão muito, mas muito longe de serem iguais. Olha só: Nos EUA, as mulheres militares de alta patente do exército não são acusadas de agressões sexuais como seus colegas homens. Ou, as jovens atletas não vão urinar em cima de garotos desmaiados e muito menos estupra-los e depois se vangloriar através de vídeos no youtube e mensagens no twitter, como os jogadores de futebol americano de Steubenville. Também nunca as passageiras de ônibus na Índia se uniram para atacar sexualmente um homem e fazer tudo com tanta violência fazendo com que ele morra devido aos ferimentos.
E como num país como EUA, onde ocorrem 87 mil estupros por ano, ainda podem achar cada um deles como caso isolado? É o terrorismo contra as mulheres. E aí a gente está aqui tentando se defender de tudo isso, mas a libertação das mulheres ainda pode ser vista como tirar direitos dos homens, invadir o espaço deles, tirar poder e privilegio.
Para a gente entender melhor a força da cultura, em um artigo publicado em 2013, por T. M. Luhrmann, foi observado que na Índia, quando os esquizofrênicos ouvem vozes, provavelmente elas lhe dirão para limpar a casa, enquanto para os norte-americanos as vozes em geral ordenarão que cometam alguma violência. Tá passada??
Terminando a leitura entendi uma coisa importante: revoluções começam nas ideias e nas rupturas. E senti esperança e motivação para continuar, porque a luta é árdua e dolorida. Diversas vezes questionei a peleja feminista, e não pelo que significa, mas porque todos os direitos que adquirimos podem ser tirados de nós, e eventualmente são (principalmente no atual governo do nosso Brasil). Mas muita coisa já mudou, e se alguém lutou por mim até agora, lutarei pelas próximas mulheres, para que vivam a igualdade. Vivam a liberdade - e que desta não se esqueçam jamais.
Boa leitura!
Um beijo,
Julia
Commentaires